Há decisões que se perdem no ruído da manchete. Outras, raras, silenciam o ruído ao reafirmar a força do texto constitucional. Foi o que fez o ministro André Mendonça ao votar pela constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet — aquele dispositivo que estabelece o óbvio: plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros após ordem judicial.
O voto, técnico e contido, fez o que a Constituição manda: protegeu a liberdade de expressão, o devido processo legal e a separação dos Poderes. Mas não foi assim que a imprensa noticiou. “Mendonça se alinha às big techs”, disseram a Folha e O Globo, como se a posição do ministro fosse ditada por interesses corporativos e não por fundamentos jurídicos. Nenhuma palavra sobre os artigos constitucionais que resguardam a livre manifestação do pensamento. Nenhuma menção ao art. 5º, incisos IV, IX e XIV. Nenhuma linha sobre o art. 60, § 4º, que veda emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.
Ao transformar o voto de Mendonça em um gesto pró-plataformas, os jornais esvaziam o que ele tem de mais relevante: o compromisso com a Constituição. A regra do artigo 19 não é um privilégio das empresas — é uma blindagem do cidadão. Quando só há responsabilização após decisão judicial, evita-se que plataformas atuem como tribunais privados, silenciando conteúdos sob risco de punição. A isso se chama efeito silenciador, fenômeno reconhecido por qualquer teoria séria da liberdade de expressão.